segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Caridade do Pensamento

Sabemos todos que o pensamento é onda de vida criadora, emitindo forças e atraindo-as, segundo a natureza que lhe é própria.

Fácil entender, à vista disso, que nos movemos todos num oceano de energia mental.

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Cada um de nós é um centro de princípios atuantes ou de irradiaçôes que liberamos, consciente ou inconscientemente.

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Sem dúvida, a palavra é o veículo natural que nos exprime as idéias e as intenções que nos caracterizem, mas o pensamento, em si, conquanto a força mental seja neutra qual ocorre à eletricidade, é o instrumento genuíno das vibrações benéficas ou negativas que lançamos de nós, sem a apreciação imediata dos outros.

Meditemos nisso, afastemos do campo íntimo qualquer expressão de ressentimento, mágoa, queixa ou ciúme, modalidades do ódio, sempre suscetível de carrear a destruição.

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Se tens fé em Deus, já sabes que o amor é a presença da luz que dissolve as trevas.

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Cultivemos a caridade do pensamento.

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Dá o que possas, em auxílio aos outros, no entanto, envolve de simpatia e compreensão tudo aquilo que dês.

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No exercício da compaixão, que é a beneficência da alma, revisa o que sentes, o que desejas, o que acreditas e o que falas, efetuando a triagem dos propósitos mais ocultos que te inspirem, a fim de que se traduzam em bondade e entendimento, porque mais dia menos dia, as nossas manifestações mais íntimas se evidenciam ou se revelam, inelutavelmente, de vez que tudo aquilo que colocarmos, no oceano da vida, para nós voltará.

Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Paciência. Ditado pelo Espírito Emmanuel. CEU. 1983.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

É primavera... Que pena!

Por Octávio Caúmo Serrano

Que pena que no coração dos homens não nasçam flores como na natureza!...

Quando chega setembro e explode a primavera, as flores ornamentam os cenários. São as cultivadas e premiadas orquídeas, são as árvores ornamentais, as frutíferas e as flores silvestres que, na sua singeleza, se exibem com seus matizes, perfumes e formatos os mais diversos.

Os homens, enquanto isso, seguem endurecidos, materialistas, e não percebem que lhes está reservado um futuro de alegria e paz.

Por que eles não percebem? Porque não param para examinar e verificar o que lhes compete fazer como filhos diletos do Criador, já que para eles estão reservados os melhores cuidados de Deus.

Como devem proceder para compreender e acreditar nessa verdade?

Devem analisar a vida com uma profundidade que até agora eles não alcançaram. Estudar para saber quem são e como podem desfrutar de alegrias que estão camufladas, hibernadas, que eles não deixam nascer.

Ficamos tristes quando analisamos nossas reuniões espíritas e vemos que ninguém se interessa pelo estudo. O Centro só é procurado para a solução de problemas ou como um compromisso vago de aproximação com a fé uma vez por semana.

Embora as palestras públicas transmitam conteúdo evangélico e doutrinário, nos dias de estudo regular há uma sequência de explicações que formam, com o passar do tempo, uma bagagem de sabedorias que nos libertam de preconceitos escravizadores, nascidos do desconhecimento.

Uma reunião de estudo é uma bênção que Kardec nos legou por orientação dos Espíritos Superiores e que ainda não valorizamos devidamente. Mesmo os que estudam não são constantes. Tudo é motivo para faltar à reunião, porque não entendem a importância da sua presença que, além do conhecimento adquirido, evidencia disciplina, assiduidade e interesse em merecer a ajuda do Céu. Como querer a ajuda de Deus se não fazemos a parte que nos toca?

Pena que, enquanto na primavera a natureza produz flores, o homem no seu coração siga apenas cultivando espinhos!

Fonte: http://www.oclarim.com.br/?id=7&tp_not=1&cod=455

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Lutar é vencer.

Por Luiz Carlos Prates (clicrbs.com.br)

Faz alguns dias, uma mulher deu um tapa simbólico na cara de machos obtusos e de outras mulheres frouxas, mulheres que, aliás, não deviam ter nascido.

Antes de abrir a porta e deixar entrar o assunto desta conversa, devo dizer que costumamos gozar de inúmeros prazeres graças ao esforço, à coragem, ao pioneirismo anônimo de outras pessoas, muitas das quais nunca ouvimos falar. Pessoas que um dia enfrentaram resistências, souberam dizer não, expuseram-se a graves riscos mas persistiram, lutaram por direitos, decência e, mais do que tudo, por respeito.

Como dizia, dia destes uma mulher formidável, dessas que mudam a História, foi fustigada no Sudão, país africano, por andar nas ruas vestindo calças. Sim, calças dessas que um dia só foram usadas por homens, mas que há muito tempo foram aderidas pelas mulheres. Claro, com as devidas adaptações de estilo.

Essa mulher de quem trato é jornalista, viúva, tem 34 anos e é muçulmana. Pois não é que homens imbecis teimaram que ela não podia usar calças, roupa, para eles, indecente... Pode tão crassa estupidez? Claro que pode, é o que mais há por aí em nações de formidável atraso civilizatório e religioso... argh!

Pois essa jornalista, de nome Lubna, por andar vestindo o "pecado", foi condenada a 40 chibatadas. Quarenta chibatadas no dorso frágil de mulher. E tudo por usar calças.

Mas os machos de araque se deram mal e recuaram na covarde punição. O mundo reagiu, e os moralistas de botequim se borraram. Comutaram a pena.

Deram a Lubna, como pena alternativa, uma multa de aproximadamente R$ 400. Lubna disse que não pagava e ponto final, que preferia ir para a cadeia. E ainda disse que se aceitasse a multa isso corresponderia a aceitar-se culpada de alguma coisa, e ela não era culpada de nada, nada tinha feito de errado. Que viessem os carcereiros buscá-la, preferia a cadeia a ser vencida. E venceu. Os "valentes" acabaram por libertá-la de tudo.

Essa história bem mostra que as mulheres, ou qualquer um, quando luta por uma causa, sabe da decência dessa causa, sabe dos seus direitos de cidadã, de cidadão e não arria para machos impotentes, vence a luta. Esse tipo de "macho" não está acostumado a enfrentar resistência, escora-se, não raro, em liturgias e sentenças religiosas. Aliás, nada tem de religioso qualquer cerceamento à liberdade das pessoas, e mais ainda quando o cerceamento resulta de exigências de tolos apedeutas.

Bela Lubna, à vida. Tu que és símbolo do que há de melhor nas melhores mulheres.

Fonte: http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp/default.jsp?source=DYNAMIC,blog.BlogDataServer,getBlog&uf=2&local=18&template=3948.dwt&section=Blogs&post=227506&blog=425&coldir=1&topo=3994.dwt

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Livro dos Espíritos

Parte Terceira – Capítulo 12 - Perfeição moral

Egoísmo

913 Entre os vícios, qual se pode considerar o pior?

– Já dissemos várias vezes: é o egoísmo; dele deriva todo mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe egoísmo. Vós os combatereis inutilmente e não conseguireis arrancá-los enquanto não tiverdes atacado o mal pela raiz, enquanto não tiverdes destruído a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse objetivo, porque aí está a verdadeira chaga da sociedade. Aquele que deseja se aproximar, já nesta vida, da perfeição moral, deve arrancar de seu coração todo sentimento de egoísmo, por ser incompatível com a justiça, o amor e a caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades.

914 Parece bem difícil extinguir inteiramente o egoísmo do coração do homem se ele estiver baseado no interesse pessoal; pode-se conseguir isso?

– À medida que os homens se esclarecem sobre as coisas espirituais, dão menos valor às materiais. É preciso reformar as instituições humanas que estimulam e mantêm o egoísmo. Isso depende da educação.

915 O egoísmo, sendo próprio da espécie humana, não será sempre um obstáculo para que reine o bem absoluto na Terra?

– É certo que o egoísmo é o maior mal, mas ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra, e não à humanidade em si mesma; os Espíritos, ao se depurarem nas sucessivas encarnações, perdem o egoísmo como perdem outras impurezas. Não tendes na Terra algum homem desprovido de egoísmo e praticando a caridade? Há mais do que imaginais, porém pouco os conheceis, porque a virtude não se põe em evidência; se há um, por que não haveria dez? Se há dez, por que não haveria mil e assim por diante?

916 O egoísmo, longe de diminuir, aumenta com a civilização, que parece excitá-lo e mantê-lo; como a causa poderá destruir o efeito?

– Quanto maior o mal, mais se torna horrível. Será preciso que o egoísmo cause muito mal para fazer compreender a necessidade de extingui-lo. Quando os homens tiverem se libertado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, não se fazendo nenhum mal, ajudando-se mutuamente pelo sentimento natural da solidariedade; então o forte será o apoio e não opressor do fraco, e não se verão mais homens desprovidos do indispensável para viver, porque todos praticarão a lei da justiça. É o reino do bem que os Espíritos estão encarregados de preparar. (Veja a questão 784.)

917 Qual o meio de destruir o egoísmo?

– De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de extinguir é o egoísmo, porque se liga à influência da matéria da qual o homem, ainda muito próximo de sua origem, não se pode libertar. Tudo concorre para manter essa influência: suas leis, sua organização social, sua educação.

O egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a material, e principalmente com a compreensão que o Espiritismo vos dá do futuro real, e não desnaturado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as crenças, transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo está fundado sobre a importância da personalidade; portanto, o Espiritismo bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de alguma forma, perante a imensidão. Ao destruir essa importância, ou pelo menos ao fazer vê-la como é, combate necessariamente o egoísmo.

É o choque que o homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna freqüentemente egoísta por si mesmo, porque ele sente a necessidade de se colocar na defensiva. Ao ver que os outros pensam só em si mesmos e não nos demais, é conduzido a se ocupar de si mais do que dos outros. Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações legais de povo para povo e de homem para homem, e o homem pensará menos em sua pessoa quando vir que outros pensam nisso; ele sofrerá a influência moralizadora do exemplo e do contato. Em face da atual intensidade do egoísmo humano, é preciso uma verdadeira virtude para se desprender de sua personalidade em favor dos outros, que freqüentemente não sabem agradecer. É principalmente para os que possuem essa virtude que o reino dos céus está aberto; é especialmente para eles que está reservada a felicidade dos eleitos, porque eu vos digo em verdade que, no dia da justiça, quem tiver apenas pensado em si mesmo será colocado de lado e sofrerá no seu abandono. (Veja a questão 785.)

Fénelon

Sem dúvida, louváveis esforços são feitos para que a humanidade avance; encorajam-se, estimulam-se, honram-se os bons sentimentos mais do que em qualquer outra época e, entretanto, o verme roedor do egoísmo continua sendo sempre a chaga social. É um mal real que recai sobre todo o mundo, do qual cada um é mais ou menos vítima. É preciso combatê-lo como se combate uma doença epidêmica. Para isso, deve se proceder à maneira dos médicos: ir à origem. Que se procurem, então, em todas as partes da organização social, desde a família até os povos, desde a cabana até os palácios, todas as causas, todas as influências evidentes ou escondidas que excitam, mantêm e desenvolvem o sentimento do egoísmo; uma vez conhecidas as causas, o remédio se mostrará por si mesmo. Restará somente combatê-las, senão todas de uma vez, pelo menos parcialmente e, pouco a pouco, o veneno será eliminado. A cura poderá ser demorada, porque as causas são numerosas, mas não é impossível. Isso só acontecerá se o mal for atacado pela raiz, ou seja, pela educação; não pela educação que tende a fazer homens instruídos, mas a que tende a fazer homens de bem. A educação, bem entendida, é a chave do progresso moral; quando se conhecerem a arte de manejar os caracteres, o conjunto de qualidades do homem, como se conhece a de manejar as inteligências, será possível endireitá-los, como se endireitam plantas novas; mas essa arte exige muito tato, muita experiência e uma profunda observação. É um grave erro acreditar que basta ter o conhecimento da ciência para exercê-la com proveito. Todo aquele que acompanha o filho do rico ou do pobre, desde o nascimento e observa todas as influências más que atuam sobre eles por conseqüência da fraqueza, do desleixo e da ignorância daqueles que os dirigem, quando, freqüentemente, os meios que se utilizam para moralizá-lo falham, não se pode espantar em encontrar no mundo tantos defeitos. Que se faça pela moral tanto quanto se faz pela inteligência e se verá que, se existem naturezas refratárias, que se recusam a aceitá-las, há, mais do que se pensa, as que exigem apenas uma boa cultura para produzir bons frutos. (Veja a questão 872.)

O homem deseja ser feliz e esse sentimento é natural; por isso trabalha sem parar para melhorar sua posição na Terra; ele procura a causa de seus males a fim de remediá-los. Quando compreender que o egoísmo é uma dessas causas, responsável pelo orgulho, ambição, cobiça, inveja, ódio, ciúme, que o magoam a cada instante, que provoca a perturbação e as desavenças em todas as relações sociais e destrói a confiança, que o obriga a se manter constantemente na defensiva, e que, enfim, do amigo faz um inimigo, então compreenderá também que esse vício é incompatível com sua própria felicidade e até mesmo com sua própria segurança. E quanto mais sofre com isso, mais sentirá a necessidade de combatê-lo, assim como combate a peste, os animais nocivos e os outros flagelos; ele será levado a agir assim por seu próprio interesse. (Veja a questão 784.)

O egoísmo é a fonte de todos os vícios, assim como a caridade é de todas as virtudes; destruir um, desenvolver o outro, esse deve ser o objetivo de todos os esforços do homem, se quiser assegurar sua felicidade aqui na Terra e, futuramente, no mundo espiritual.


Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/le/le-3-12.html - O Livro dos espíritos - Parte Terceira - Capitulo 12 - Perfeição moral - Egoísmo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Evolucionismo x Criacionismo.


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Por Marta Kanashiro (www.comciencia.br)

A interação dos discursos científico e religioso

O senso comum diz que ciência e religião não se misturam. No entanto, quando se trata de compreender os discursos religiosos e científicos, emergem uma série de articulações entre eles, ambos vistos como narrativas e interpretações do mundo inseridas em um contexto histórico, social, político, econômico e cultural.

Segundo a socióloga da Unesp, Leila Marrach de Albuquerque, é nesse sentido que se pode procurar compreender, por exemplo, a aproximação entre o discurso científico e o kardecismo (ou espiritismo), doutrina filosófica e religiosa que surgiu no século XIX, formulada por Hippolyte Denizard Léon Rivail, mais conhecido como Allan Kardec.

O século XIX caracterizou-se, no mundo ocidental, pela predominância da idéia de ciência moderna e racional oriunda dos séculos XV e XVI, a qual colocava-se em oposição à tradição, religião, magia e ao aristotelismo. Somou-se a isso, as noções, da mesma época, de positivismo, cientificismo, empirismo e evolucionismo, todas simultâneas ao colonialismo. Albuquerque afirma que influenciada por esse contexto, a fundamentação do kardecismo reveste-se de uma linguagem muito próxima da ciência do período, incorporando idéias do discurso científico vigente.

Para Benito Bisso Schmidt, cientista social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os últimos anos do século XIX e os primeiros do XX foram marcados pela difusão de diversas teorias cientificistas, que deixaram marcas profundas no estudo da natureza (Darwin), da sociedade (com o positivismo de Comte e o darwinismo social de Spencer), no direito e na psiquiatria (com a antropologia criminal de Cesare Lombroso e Enrico Ferri), e mesmo na religião (com o kardecismo). Para ele, tais correntes buscavam romper com explicações abstratas e metafísicas, buscando desvendar racionalmente a lógica do mundo natural, social, humano e sobrenatural, preferencialmente através da observação empírica. "Todas tinham como ponto em comum a convicção de que a ciência e a técnica poderiam resolver os problemas básicos da humanidade", diz ele.

O antropólogo Emerson Giumbelli, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também concorda com a possibilidade de associar parte das características do espiritismo às idéias da segunda metade do século XIX, e exemplifica com a trajetória do próprio Kardec: "Rivail formou-se como educador e está longe da imagem que, geralmente, temos dos fundadores religiosos. Nenhum grande acontecimento místico marca sua vida. Além disso, ele aproximou-se dos fenômenos associados ao espiritismo com uma curiosidade cética e insistiu em sustentar as credenciais científicas da doutrina a que chamou espiritismo". Giumbelli ainda destaca que uma das frases mais conhecidas de Kardec é: "O sobrenatural não existe". O kardecismo exprime assim uma mentalidade da época que é cientificista.

Em seu livro O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do espiritismo, Giumbelli apresenta o espiritismo como uma produção histórica. A antropóloga Patrícia Blum, da Universidade do Rio de Janeiro (Uerj), avaliou a pesquisa de Giumbelli: "uma compreensão do kardecismo como resultado de um processo, de uma conjunção peculiar, um encontro de estratégias discursivas, desenvolvidas por agentes sociais diversos".

Albuquerque complementa ainda que, dado o contexto europeu do século XIX, Kardec incorpora procedimentos científicos rigorosos para encontrar seu espaço na sociedade francesa. "São procedimentos baseados no método próprio da ciência moderna. Além disso, ele define o espiritismo como ciência, filosofia e religião, preocupado em garantir níveis de verdade a uma prática que, no contexto do cientificismo, seria desprestigiada, porque era religiosa".


A construção da relação entre espiritismo e ciência

Segundo a socióloga da Unesp, a idéia de reencarnação é fruto de idéias hinduístas e budistas que circulavam na Europa, devido ao contexto colonial. "Kardec afirma que a idéia de reencarnação é originária dos druidas (mito gaulês), povo que teria vivido onde hoje é a França. É até possível que os druidas também tivessem essas idéias, mas há poucas e fragmentadas informações sobre culturas pré-romanas, enquanto que por outro lado, tínhamos toda a Ásia muito presente no dia-a-dia da Europa", diz Albuquerque.

Ela destaca que o mais interessante da formulação desse pressuposto do kardecismo é o distanciamento da doutrina hinduísta da metempsicose, que afirma a possibilidade da reencarnação dos seres humanos em plantas e animais. Isso permite a aproximação da idéia de evolucionismo, não no sentido darwinista, mas daquele que associa a idéia de evolução com a idéia de progresso. A socióloga nota que, no hinduísmo há uma integração muito grande entre homem e natureza. "No hinduísmo toda a natureza é personagem. Já no kardecismo esse aspecto foi eliminado e, no bojo do evolucionismo, o homem reencarna para evoluir, melhorar, progredir e, ao mesmo tempo, é o senhor da natureza. Ele a domina de maneira coerente com esse modelo científico, a ciência racional, moderna e antropocêntrica", diz ela. Albuquerque observa ainda, que essa aproximação com o evolucionismo afasta a noção de tempo cíclico característico da cultura hindu. "Na Índia, o tempo é entendido como cíclico, diferentemente da idéia de tempo evolutivo, linear, do ocidente, que segue numa única direção, a do progresso e da melhora", explica ela.

O outro pilar do espiritismo segundo a socióloga é a noção de carma, também hindu, que enfatiza a responsabilidade do homem pelas suas ações passadas e presentes, com conseqüências para sua própria existência. Essa idéia foi associada no kardecismo a uma noção também científica, a de causalidade. "O kardecismo associou a idéia de carma às leis de causa e efeito, isto é, o que se faz numa encarnação teria efeito em outras encarnações, e o que acontece com determinada pessoa hoje seria resultado de vidas pregressas".

O terceiro pressuposto é a comunicação com os espíritos dos mortos ou mediunidade. Para a socióloga, é nesse ponto que Kardec mostra mais claramente a prática do empirismo e da necessidade de verificação. As sessões de comunicação com tais espíritos eram uma forma de verificar as hipóteses cientificamente, através de procedimentos controlados. Enfim, para a socióloga, Allan Kardec constrói o discurso do espiritismo apropriando-se de noções originárias de países colonizados e dando à elas um novo significado no contexto da civilização científica.

Albuquerque conclui que, se existe uma aproximação entre ciência e kardecismo, ela está nesse empenho de Kardec, em submeter seus pressupostos religiosos a verificações científicas, ao rigor do método, tendo como pano de fundo um tempo evolucionista.


Ciência e kardecismo hoje

Norteada pelas obras de Allan Kardec, a aproximação entre ciência e espiritismo continua vigente entre os espíritas kardecistas. Uma das passagens que dá margem para essa continuidade está em A Gênese, na qual Kardec afirma a necessidade de que o kardecismo acompanhe as mudanças na ciência e seja sempre atualizado: "caminhando de par com progresso, o espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto".

É nesse sentido que o físico e filósofo da ciência da Unicamp, Silvio Seno Chibeni, procura distanciar o espiritismo kardecista do positivismo. Para Chibeni, essa vertente filosófica está mais relacionada com a parapsicologia, que ele rejeita e caracteriza "pela pretensão à cientificidade". Apesar desse distanciamento proposto, Chibeni procura em diversos textos aproximar-se de clássicos da filosofia da ciência, como Thomas Khun e Imre Lakatos, para defender que a doutrina espírita constitui sim um paradigma científico. "A teoria espírita se faz acompanhar daqueles elementos vitais de um legítimo paradigma científico, e que nem sempre são inteiramente explicáveis: critérios, métodos e valores, que norteiam a busca, descrição e avaliação, tanto de fatos, como de princípios resolvidos pela teoria espírita, verdadeiros modelos a serem seguidos na abordagem de outros problemas", afirma Chibeni.

A Federação Espírita Brasileira também afirma que o espiritismo busca estar lado a lado com a ciência, aceitando descobertas científicas, buscando explicações racionais e lógicas para todas as coisas e crendo na criação divina, sem se permitir fundamentalismos. Apesar da crença na criação divina, os kardecistas não aderem à idéia criacionista de que o mundo tem apenas seis mil anos de idade. Em texto de A Gênese, Kardec chega a avaliar como hipótese articulável com a doutrina espírita, a possibilidade do homem descender do macaco. No entanto, não aceita nem recusa a hipótese.

Emerson Giumbelli, antropólogo da UFRJ, explica que alguns cientistas sociais e historiadores consideram que no Brasil o espiritismo tornou-se menos científico e mais religioso. Para defender esse ponto de vista, apontam a ênfase dada, no Brasil, à caridade, aos evangelhos cristãos e às curas. Mas o próprio Giumbelli discorda dessa posição, afirmando que tais elementos, embora exacerbados no Brasil, já existiam nas formulações kardecistas originais, e nada há neles que invalide, dentro das concepções espíritas, o recurso à ciência. "A rigor, um espiritismo sem ciência, seria um espiritismo sem mediunidade. É verdade que são poucos os intelectuais que se dedicam a elaborações eruditas sobre a mediunidade e, menos ainda, os que lhe conferem interesse científico. No entanto, a referência à cientificidade funciona como um sinal capaz de assinalar diferenças relativas", diz Giumbelli. O antropólogo ainda cita o artigo de Gerson Simões Monteiro, liderança espírita do Rio de Janeiro, posicionando-se na atual controvérsia sobre o criacionismo. "No artigo, Monteiro resume com aprovação as teorias que seguem a linha darwinista e conclui com afirmações, que sustentam exatamente o que o espiritismo pretende ser, uma síntese entre ciência e religião".


Fonte: http://www.comciencia.br/200407/reportagens/06.shtml